O microssistema de normas de direito agrário e o protecionismo do “homem do campo”
As normas de direito agrário são aquelas que regem as relações jurídicas entre pessoas, referente ao uso da terra por particulares e/ou empresas, sendo que as normas de direito agrário são estabelecidas, precipuamente, pela Lei nº 4.504/64; pelo Decreto nº 59.566/66; e também pela Lei nº 4.947/66.
Tendo em vista à época em que a legislação agrária foi criada, tem-se que tais normas possuem cunho nitidamente protecionista – o que se observa, por exemplo, em outras áreas do direito, tais como o direito do trabalho e o direito do consumidor –, de modo a resguardar e proteger os direitos e interesses do “homem do campo”, aqui entendido como o arrendatário (contratos de arrendamento) e/ou parceiro outorgado (para os contratos de parceria agrícola).
Corroborando tal assertiva, verifica-se no artigo 13, inciso IV, da Lei nº 4.947/66, que os direitos e prerrogativas conferidas pela legislação agrária são irrenunciáveis, conforme abaixo transcrito:
Art. 13 – Os contratos agrários regulam-se pelos princípios gerais que regem os contratos de Direito comum, no que concerne ao acordo de vontade e ao objeto, observados os seguintes preceitos de Direito Agrário:
[…]
IV – proibição de renúncia, por parte do arrendatário ou do parceiro não-proprietário, de direitos ou vantagens estabelecidas em leis ou regulamentos;
Conclui-se, portanto, que há dirigismo estatal nas normas de direito agrário, de modo que a autonomia da vontade das partes é restrita, não podendo haver a nenhuma das prerrogativas já estabelecidas no microssistema de normas agrárias.
Da mitigação do protecionismo das normas de direito agrário, para os casos em que não há exploração direta e pessoal
Considerando que as normas de direito agrário possuem a finalidade de proteger o “homem do campo”, mero corolário lógico que se extrai desta premissa é: caso a exploração da terra se dê por conglomerado econômico, ainda que em nome de pessoa física, haverá o afastamento do protecionismo estatal.
Nesta linha de raciocínio, pontua-se que a proteção estatal se dá para os casos de exploração da terra de forma direta e pessoal, nos termos do artigo 38, inciso II, do Decreto nº 59.566/66, abaixo transcrito:
Art 38. A exploração da terra, nas formas e tipos regulamentados por êste Decreto, somente é considerada como adequada a permitir ao arrendatário e ao parceiro-outorgado gozar dos benefícios aqui estabelecidos, quando fôr realizada de maneira:
[…]
II – Direta e pessoal, nos têrmos do art. 8º dêste Regulamento estendido o conceito ao parceiro-outorgado;
Logo, para fins de definição de exploração direta e pessoal, tem-se que a quantidade de pessoas assalariadas e empregadas na exploração da terra não pode ser superior à quantidade de pessoas existentes no conjunto familiar do arrendatário ou o parceiro, que estejam residindo no imóvel e vivendo em mútua dependência.
Assim sendo, acaso constatada que a exploração não esteja sejam realizada de forma direta e pessoal, as proteções conferidas pelo microssistema do direito agrário não se aplicarão ao contrato de arrendamento/parceria rural, incidindo, à espécie, as normas gerais de direito civil e também da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/19), prevalescendo, nesta hipótese.
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Conclusão:
As normas protecionistas típicas do direito agrário podem ser sua incidência afastada, acaso se observe que a exploração da terra não esteja sendo feita de forma direta e pessoal, conceito este entendido como a exploração da terra por quantidade de pessoas assalariadas que não ultrapasse à quantidade de pessoas existentes no núcleo familiar do arrendatário/parceiro-outorgado, o que pode ser comumente observado nas explorações de terras decorrentes de grandes arrendatários/parceiros-outorgados.
Neste cenário, as normas gerais de direito civil prevalecem sobre as normas de direito agrário, de modo que o arrendador/parceiro-outorgante dispõe de maior flexibilidade para a confecção do instrumento contratual aplicável à espécie, podendo se resguardar e limitar os direitos daquele que explora a terra, devendo sempre ser consultado um advogado, para que seja realizado um estudo do caso e verificação dos limites contratuais que podem ser adotados.
Guilherme Batista Roldão – Advogado